quinta-feira, 22 de abril de 2010

Resíduos de polvora

Resíduos de tiros: um estudo da cinemática



Adenaule James Geber de Melo, Perito Criminal.
Centro de Perícias Forenses de Alagoas, Instituto de Criminalística; Rua do Sol, 290;
57020-070 -Maceió/AL

RESUMO

É do conhecimento de todos que labutam na área da Criminalística o elevado índice de resultados negativos, quando da análise de resíduos de tiro(s).
Este trabalho vem demonstrar, através de dados coletados em testes realizados com armas de fogo de diversos calibres, um dos interferentes que contribui para os resultados acima mencionados: o cone de dispersão dos resíduos de tiro e sua cinemática. O conhecimento da cinemática é, na opinião do autor, o fator preponderante no sucesso da coleta e análise dos resíduos produzidos por tiro(s) de armas de fogo.

PALAVRAS-CHAVE: Cinemática; Criminalística; Resíduos de Tiros.
ABSTRACT:
In the area of Forensic Science, the high number of negative results during the studies of gunshot residues is well known. There are many factors that contribute to these results. The main goal of this work is to describe the most important factor to succeed during the acquisition and analysis of the gunshot residues, in our opinion: the study of the “dispersion cone” of gunshot residues and your kinematics. KEYWORD: kinematics; Forensic Science; gunshot residues.
INTRODUÇÃO:
Ao se efetuar um tiro, forma-se uma nuvem gasosa onde estão presentes produtos da detonação da mistura iniciadora da espoleta e da carga de projeção contida no estojo. No momento da detonação, a temperatura no interior da espoleta chega a atingir 2.500oC e os componentes metálicos são volatilizados, saindo da mesma vaporizados. Estes são rapidamente condensados formando partículas esferóides muito pequenas (que variam de 0,1µm a 5µm)8. Estas partículas apresentam características peculiares, quer pela sua morfologia, quer pela sua composição química. Parte desses resíduos sólidos permanece dentro do cano, ao redor do tambor e na câmara de percussão da própria arma, porém o restante é projetado para fora5, podendo atingir a mão do atirador ou um anteparo. Sendo justamente a comprovação desses elementos que irão fornecer a causa jurídica do delito, bem como, seu(s) respectivo(s) autor(es).
Porém, é fato que ao se considerar o depósito dos resíduos nas mãos do atirador, a determinação da presença destes dependerá diretamente da quantidade de material depositada nos suportes (mãos); essa quantidade por sua vez, depende de fatores difíceis de serem controlados, como por exemplo: tipo de arma empregada; seu estado de conservação; tipo de munição; tamanho da mão que empunha a arma, bem como o modo como é empunhada; tempo decorrido do evento; além da preservação adequada da área de interesse para coleta e da eficiência dessa coleta.
As afirmações acima podem ser constatadas através dos levantamentos estatísticos realizados pelo Laboratório Central de Polícia Técnica da Secretaria da Segurança Pública da Bahia e, pelo autor do presente trabalho, junto ao Laboratório de Microvestígios e Toxicologia do Instituto de Criminalística de Alagoas e ao UNILAB do Instituto de Criminalística Professor Armando Samico em Pernambuco, nos períodos compreendidos, respectivamente, entre 1999 a 2003, janeiro de 2003 a agosto de 2005 e janeiro de 2004 a julho de 2005. Tais levantamentos são referentes à realização de exames residuográficos em materias coletados das mãos de suspeito de utilização de armas de fogo. Sendo, em todos os casos, encontrados valores percentuais elevadíssimos para os resultados negativos, conforme exposto abaixo:
Tabela 1. Resultados obtidos para exames residuográficos nas mãos de suspeitos do uso de arma de fogo.
ESTADO EXAMES REALIZADOS RESULTADOS POSITIVOS RESULTADOS NEGATIVOS
ALAGOAS 52 07 (13,46%) 45 (86,54%)
BAHIA 2051 235 (11,46%) 1816 (88,54%)
PERNAMBUCO 496 69 (13,91%) 427 (86,09%)

Esses resultados não ficam restritos apenas aos exames periciais, mas também durante a realização de testes, nos quais se tem a certeza da realização do tiro.
Não é mister deste trabalho entrar na seara das metodologias aplicadas para
o desenvolvimento das análises relativas a esses resíduos mas, sim, demonstrar, através de dados coletados em testes realizados com armas de fogo de diversos calibres, um desses interferentes: o cone de dispersão dos resíduos de tiro e sua cinemática.
PARTE EXPERIMENTAL
Constatados os fatos acima, foram realizados testes físicos e químicos para determinação da cinemática do cone de dispersão.
Testes Físicos
Objetivando comprovar o exposto na literatura, foram utilizados 05 atiradores voluntários que executaram tiros no estande do Departamento de Tiro do Círculo Militar do Recife. O espaço físico do estande era semi-aberto, o que impossibilitava o acúmulo de gases, diminuindo sensivelmente a deposição de micropartículas nas regiões que não fossem as atingidas pelo(s) cone(s) de dispersão dos gases. Por não se tratar de um ambiente totalmente aberto, a influência de possíveis correntes de ar também foi minimizada.
Como primeira etapa, foram efetuados 100 (cem) tiros [cada atirador executou 20 (vinte) tiros] em sessões distintas, sendo 05 (cinco), empunhando a arma apenas com a mão direita, 05 (cinco), com a mão esquerda e 10 (dez), com as duas mãos. As mãos dos atiradores estavam calçadas por luvas de procedimento (confeccionadas em látex), as quais foram trocadas sistematicamente depois de cada tiro. Sempre após cada tiro efetuado, era realizado, na própria luva, o levantamento com rodizonato de sódio para procura de partículas de chumbo.
Na segunda etapa, foram efetuados mais 50 (cinqüenta) tiros, 10 (dez) para cada arma empregada, fazendo-se uso de folhas de papel de filtro como anteparos para a coleta (deposição) e estudo da orientação dos cones de dispersão. Os anteparos foram posicionados de duas maneiras: a primeira, posicionando-se uma folha de papel de filtro sobre a mão do atirador, que se encontrava calçada por luva de procedimento, trocada sistematicamente após cada procedimento (figura 1) e, na segunda, posicionando-se (paralelamente) duas folhas de papel de filtro nas laterais esquerda e direita da arma utilizada (figura 2). Em ambos os casos, as folhas apresentavam dimensões padronizadas equivalentes a 25,0 cm (vinte e cinco centímetros) por 17,0 cm (dezessete centímetros). Especificamente para o primeiro caso, foram realizados cortes com medidas equivalentes a 2,0 cm (dois centímetros) de largura por 8,0 cm (oito centímetros) de comprimento na região mediana, perpendiculares ao perímetro de maior extensão. Tais cortes foram realizados para permitirem o encaixe das armas no anteparo de papel repousado sobre a mão do atirador.
Figuras 1 e 2: posicionamento dos anteparos usados nos testes para verificação dos cones de dispersão.
Como anteriormente, utilizou-se o rodizonato de sódio para identificação das micropartículas de chumbo, e também, para caracterização e localização dos cones de dispersão dos gases e microrresíduos oriundos da produção dos tiros.
Nas duas etapas foram utilizadas as seguintes armas: revólver TAURUS, modelo 85, calibre .38 SPL, capacidade para 05 tiros, cano 2” e a munição CBC, calibre .38 SPL CHOG 158 GR; revólver TAURUS, modelo 82, calibre .38 SPL, capacidade para 06 tiros, cano 3” e a munição CBC, calibre .38 SPL CHOG 158 GR; revólver TAURUS, modelo 88, calibre .38 SPL, capacidade para 06 tiros, cano 3” e a munição CBC, calibre .38 SPL CHOG 158 GR; pistola TAURUS, modelo PT 58 HC, calibre .380 ACP, capacidade para 15 + 1 tiros, cano 4” e a munição CBC, calibre .380 AUTO ETOG 95 GR e pistola TAURUS, modelo PT 940, calibre .40, capacidade para 10 + 1 tiros, cano 3” e a munição CBC, calibre .40 AUTO ETOG 230 GR. Cada atirador utilizou apenas uma das armas acima descrita.
Testes Químicos
Os testes para pesquisa da presença de partículas de chumbo [na forma iônica (Pb II) ou metálica], nas mãos (calçadas por luvas) e nas folhas de papel de filtro foram realizados utilizando-se dois frascos atomizadores que continham, separadamente, solução-tampão de ácido tartárico e tartarato de sódio e potássio (pH 2,8), e solução de rodizonato de sódio 0,1%. Em ambos os casos, borrifou-se inicialmente o tampão nas áreas de interesse para, em seguida, adicionar (também por borrifamento) a solução de rodizonato. A orientação do(s) cone(s) de dispersão foi determinada através da revelação da impressão aposta no papel de filtro, sendo evidenciada macroscopicamente pelo desenvolvimento da coloração vermelhopúrpura devido à formação de rodizonato de chumbo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas Mãos dos Atiradores
Os testes macroscópicos colorimétricos realizados nas mãos dos atiradores, após cada disparo, apontaram para valores muito baixos de resíduos provenientes das nuvens gasosas geradas pela ação do tiro. Dos 100 (cem) exames realizados, 04 (quatro) ficaram prejudicados devido à contaminação por contato com partes das armas impregnadas por resíduos, 93 (noventa e três) apresentaram resultado negativo e 03 (três), resultado positivo; destes, 02 (dois) quando utilizado o revólver TAURUS, modelo 82, calibre .38 SPL, com capacidade para 06 tiros, cano 3” e o terceiro quando utilizado o revólver TAURUS, modelo 85, calibre .38 SPL, com capacidade para 05 tiros, cano 2”. A tabela abaixo resume os dados:
Tabela 2. Resultados obtidos pelos exames residuográficos nas mãos dos atiradores.
ARMA EXAMES REALIZADOS RESULTADOS POSITIVOS RESULTADOS NEGATIVOS RESULTADOS PREJUDICADOS
Revólver .38 (mod.82) 20 02 (11,76 %) 15 (88,23%) 03
Revólver .38 (mod.85) 20 01 (5,27%) 18 (94,73%) 01
Revólver .38 (mod.88) 20 0 (0%) 20 (100%) 0
Pistola 380 (mod.PT58HC) 20 0 (0,%) 20 (100%) 0
Pistola .40 (mod.PT940) 20 0 (0%) 20 (100%) 0

Uma interpretação mais apurada dos resultados expostos acima induz, não a ausência de resíduos depositados nas mãos dos atiradores (pois foram realizados exames macroscópicos) mas, sim, da ínfima quantidade depositada, passível de ser detectada apenas por microanálises.
Nos Anteparos
Tomando-se por base essa constatação, passou-se a analisar de forma criteriosa os cones de dispersão produzidos pelos tiros e estampados nos anteparos de papel (revelados macroscopicamente pelo rodizonato), com o intuito de verificar a possível relação com o elevado percentual de resultados negativos e a cinemática desses resíduos. Dos 50 (cinqüenta) exames realizados nos anteparos de papel, para revelação e estudo do posicionamento dos resíduos, verificou-se que as impressões deixadas pelos mesmos (nos anteparos) situavam-se na frente do cano de todas as armas utilizadas; nas laterais direita e esquerda de todos os revólveres utilizados, tendo sua origem de saída localizada no espaço compreendido entre a parte posterior do tambor e o início do cano; nas laterais direita e esquerda do revólver modelo 82 em 02 (dois) anteparos, nos últimos tiros; pequenas impressões nas laterais superior direita e esquerda das pistolas utilizadas (nos anteparos laterais), não se encontrando impressões nos anteparos dispostos sobre as mãos dos atiradores.
O maior quantitativo de resíduos, expressos pelas impregnações laterais deixadas e reveladas nos anteparos de papel, a exceção dos 02 (dois) resultados anteriormente descritos, situava-se em regiões posteriores àquelas usualmente submetidas à coleta. Este fato vem demonstrar que os elevados percentuais de resultados negativos encontrados -quando dos exames residuográficos -têm como fator preponderante a ínfima quantidade de resíduos que se deposita nas mãos dos atiradores.
CONCLUSÃO
Com base nos testes realizados, e nos dados coletados durante a execução do presente trabalho, pode-se concluir que:
1 O estudo das orientações dos cones de dispersão realizado nos anteparos, demonstrou que as regiões situadas na saída do cano (em todas as armas utilizadas), nas laterais situadas entre o cano e o tambor (no caso dos revólveres) e nas laterais superiores da câmara (no caso das pistolas) são as áreas de maior concentração dos resíduos.
2 As mãos dos atiradores, apesar de se encontrarem na posição correta de empunhadura, ficaram fora da região dos cones de dispersão, gerando pouca deposição dos microresíduos, justificando assim o elevado índice de resultados negativos por ocasião dos exames periciais.
3 O local onde foram efetuados os tiros (aberto ou fechado) e as correntes de ar tendem a influenciar diretamente a deposição ou não dos micro resíduos.
4 Considerando os fatores descritos no item anterior, há necessidade de novos testes, como forma de produzir uma avaliação mais abalizada e uma maior compreensão da cinemática dos microrresíduos.

AGRADECIMENTOS
O autor agradece a Dilma Borba, Anderson Kildare, Ana Carolina Albuquerque, Ítalo Sivini e Sidney Geber que atuaram como voluntários nos testes de tiros; ao TC Nogueira e Sérgio Bonafina por permitirem o uso do estande de tiro do Círculo Militar do Recife; a Erany Tavares e Janílson Braz pela ajuda na coleta de dados; a Georgia Albuquerque pela ajuda no texto; Geraldo Barros e Miriam Araújo pelo apoio na realização do estudo e, finalmente, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para realização do presente trabalho.
REFERÊNCIAS
1 Basu, S.; Boone, C. E.; Jr, Denio, D. J.; Jr. Miazga R. A. Fundamental studies of gunshot residue deposition by glue-lift. Journal of Forensic Sciences, 42(4) 571-581.
2 Fojtásek, L; et all. Distribution of GSR particles in the surroundings of shooting pistol. Forensic Science International, 132 (2003) 99-105.
3 Plattner, T.; et all. Gunshot residue patterns on skin in angled contact and near contact gunshot wounds. Forensic Science International, 138 (2003) 68-74.
4 Rabelo, Eraldo. Curso de Criminalística. Porto Alegre: Sahra-Luzatto, 1996. 163p.
5 Reis, E. L. T. dos; Sarkis J. E. de S.; Rodrigues C.; Neto O. N.; Viebig S. Identificação de Resíduos de Disparos de Armas de Fogo por meio da Técnica de Espectrometria de Massas com Fonte de Plasma Indutivo. Química Nova 2004; 27(3): 409-413.
6 Romolo, F.S.; Margot, P. Identification of gunshot residue: a critical review. Forensic Science International, 119 (2001) 195-211
7 Técnicas Analíticas do Laboratório Central de Polícia Técnica. Salvador: Secretaria de Segurança Pública, Departamento de Polícia Técnica da Bahia, Laboratório Central de Polícia Técnica, 2001. 376p.
8 Tochetto, Domingos. I Seminário de Balística Forense Avançada -Identificação dos Resíduos de Tiros. Rio de Janeiro: IME, 2004.
9 Zarzuela, J. L.; Aragão, R. F. Tratado de Perícias Criminalísticas -Química Legal e Incêndios. 1 ed. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 1999. 467p.
10 Zeichner A, Levin N, Springer E. Gunshot Residue Particles Formed by using Different Types of Ammunition in the Same Firearm. Journal of Forensic Sciences 1991; 36(4): 1020-1026.

Postado Por:

Kennia Maraiza
Acessoria de Imprensa
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